domingo, 11 de março de 2007

Sofrimento

Sofro, sofro, sofro, meus amigos. O que pensava ser uma faina, tornou-se um trabalho de hércules.

Quem manda tratar com corsários! Deixam presentes de grego a cada canto a infernizar as máquinas.

Voltarei!

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Novo disco

Meus amigos, é mais fácil haver espírito cívico na corte que trocar um HD !

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Voltei


Voltei do nada, meus herdeiros. Raramente ausento-me de meu precioso covil onde as paredes são forradas de livros, há ice-box bem abastecido e diversas geringonças de lazer e conforto. Voltei foi de minha macunaímica preguiça em consignar minhas memórias nestas abstrações cibernéticas.


Pois foi hoje, ao novamente sorver da rubiácea eficientemente efervescida pela simpática insular em galeria comercial da ilha que encontrei meu velho amigo professor de literatura. Na realidade deu-se o inverso já que foi este náufrago o encontrado tão absorto estava em suas leituras. Saudou-me e imediatamente lamentou sua contraditória fortuna já que sua filha fora admitida em universidade, porém em província vizinha. E rompe-se-lhe o cordão umbilical a duras penas e dores atrozes. Quanto à moça, estará decerto animada em ver-se longe dos pais e poder pintar o sete, já que trata-se de curso de belas-artes.


Foi-se o amigo, antecipadamente suado, às aulas, que voltaram hoje e ficou este náufrago a considerar por longo tempo a relatividade dessas belas artes. Em Europa, na modernidade dos anos 1600, artistas havia a rodo e empenhavam-se meses a fio em reproduzir fielmente - mesmo que essa ou aquela imperfeição corrigissem - figuras de fidalgos e fidalgas que, em troco, pagavam-lhe, com atraso, moedas. Já neste reino, numa estranhíssima província mais ao sul, testemunhei numa grande mostra de arte uma sala repleta de calçados velhos e outros nem tanto, mas que fariam a alegria de numerosos mendigos. Teriam sido os excedentes daquela senhora dos antípodas, Imelda Marcos? Em meio à desodem de couro, piscava misteriosamente uma luz. Aquilo era rodeado por dezenas de seres insólitos a tentar adivinhar-lhe a arte. Pois este náufrago desistiu incontinenti e pôs-se ao fresco a acenar para cocheiro que a trote ligeiro o largasse em taberna de bom preço, bom pasto e boa bebida a fim de refletir sobre os mistérios da mente humana e se a arte moderna seria conto-do-vigário, pilhéria ou rematada loucura.
Naturalmente que a volta ao covil foi antecipada.


quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Brancos


Brancos acontecem, queridos leitores. Acontecem e devemos deixá-los em paz a resolver suas contendas. Se o nosso canto no universo dos elétrons reciclados ficar estagnado por algum tempo, azar o dele.

De repente surge o assunto e as lembranças deste insólito torrão de terra, barro, areia, pedras e mangues cercado por água irregular.

E não é que estava este náufrago a conversar com um seu herdeiro em linha direta e veio à baila uma das coincidências desta ilha? Pois que naquele labirinto que atende pelo nome de Jardim da Penha, anos atrás, avizinhavam-se dois súditos da Terra do Sol Nascente, mais comumente chamada de Cipango ou Japão, como preferem os jovens. Ambos exímios restauradores. Um deles quase que deu sua vida pelo Imperador já que fora escolhido para pilotar uma aeronave carregada de explosivos contra algum alvo aliado. Salvou-o o fim da guerra. Não sei bem quanto à sua honra. Talvez tenha ficado envergonhado em não morrer pelo imperador e acabou dando com os seus costados nesta ilha, para tentar alimentar os insulares de maneira exótica e com utensílios que não ensejam a indigestão. O outro, melhor dizendo, a outra, sobreviveu ao último bombardeio atômico de uma cidade de lá, que esperemos que seja o último da história. Duas pessoas totalmente gentis, duas testemunhas de fatos que nos parecem hoje pertencer à ficção.

Mal sabem esses dois, se é que ainda vivem - pelo menos um deles tenho certeza que sim - que pelo lado deste náufrago houve uma relação de amizade, em um grau, que chegava ao líder bretão Churchill que, por sua vez esteve diretamente envolvido com o que ocorreu em sua terra...

Pequenas pontes na história, no tempo, na língua e na distância, desta ilha ao mundo...

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

A língua


Estava eu, queridos leitores, a ler com pesar a catástrofe ocorrida em terras bandeirantes. Houve um desabamento em obra de via férreas subterrâneas com infelizes vítimas. Hoje à tarde apreciei o linguajar de uma pessoa a descrever a tragédia: "o túnel começou a colapsar".

E então? Amado leitor? Colapsou o túnel e em consequência desse colapsamento, desabou tudo. Mestres dicionaristas Aurélio Buarque, Caldas Aulete, Hoauiss e mas tantos que se foram deram voltas dentro dos ossuários! Homessa! Será que essa língua lusitana é tão pobre assim que aquele homem seja forçado ao uso de um verbo de tal maneira incomum? Ou é mera imitação do jargão bretão em que to collapse, indeed, é de uso corriqueiro?

Existe uma diferença básica entre um engenheiro ou tecnocrata nacional e um dos países de língua bretã: dificilmente estes sujam suas palavras com expressões estranhas. Preferem sujar as mãos na obra para evitar que esses desabamentos, desmoronamentos, ruínas aconteçam. Uma questão de pudor. A tragédia não é lugar para mostrar-se, para exibir vocabulário elaborado, ainda mais se o porta-voz integra o grupo de culpados. Na tragédia, recolhe-se, apaga-se perante o desespero dos que perderam os seus e o que tinham. Na tragédia, vale o mínimo.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Apóstrofos




Esses, caríssimos, como sabem, não seriam os companheiros do líder da religião cristã na concepção do supremo dignatário deste reino. São essas virgulazinhas que tanto prezam bretões e tanto espanto causam em estrangeiros (de lá).


Desde que cá arribei todo dia vejo algum desses pobres sinais fora de seu lugar, em grande agonia. Hoje pela manhã, num subúrbio insular, vi um deles encurralado num nome de escola que se desejava pomposo: "Oceanu's". Caso raro em que dou nome aos bois. Ora, meus herdeiros, além de desconhecer a palavra Oceanu em dicionários do lusitano, custo em acreditar que aquela instituição a ela pertença já que "Oceanu's" significa pertencente ao Oceanu - seja lá o que isso for.

Tanto o insular quanto o súdito deste reino não conseguem ver a diferença entre isso e o plural. Sim, o bretão também tem um plural, que por vezes é com "s", já que certas palavras do bretão antigo obedecem a outras regras, como man e men. Isso ocorre por abrigarmos em nossas ilhas um grande contingente de imigrantes franceses, que para lá foram em 1066 e influenciaram nossa língua antiga. Assim nós convivemos com regras várias e duas categorias de palavras sendo que as populares vêm do bretão antigo e as mais esnobes, da imigração francesa. Aí está porque o porco no chiqueiro é pig e à mesa, assado comme il faut é pork.

Sabendo-se isso fica fácil não escrever DVD's, CD's, quitute's, refresko's (sic), Krep's Suisso (sic, sic) e outras tolices.

So simple...

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Loudspeaker


Meus herdeiros; loudspeaker é locução bretã que pode ser traduzida tanto por “alto-falante” – muitas vezes grafado como “auto-falante” por pessoas muito distraídas – como por aqueles que pouco poupam suas cordas vocais. Nas Ilhas Britânicas, esses são enforcados, caso não se comportem, ou conduzidos ao exército para ganhar a vida como sargentos: são os que falam alto.

Ontem este náufrago, após cambiar alguns dos dobrões de prata que estavam nas arcas do capitão do galeão encalhado, dirigiu-se a uma das galerias comerciais da ilha a fim de degustar, na companhia de uma gazeta, uma rubiácea efervescida gentilmente preparada por simpática insular.

Tão logo instalou-se à uma isolada mesa e foi invadido pelo diálogo de duas velhas comadres, encarnadas em dois homens velhos a reclamar de suas infelizes companheiras: “Dou cem conto e deixo ela em Guarapari” fanfarroneava um, imaginando que aquela fora uma quantia razoável para uma fêmea. “Essas mulé enche o saco” concordava o outro.

Mais infeliz que as dignas e abandonadas esposas dos insulares ficou este náufrago, sob o altíssimo volume de suas arengas e de seus erros de concordância. Sem falar da infâmia que é homem feito reclamar de mulher; algo que em certos recantos orientais é punido com refinadas torturas.

Teria o portável ensejado o confidenciar em altos volumes ou o contrário? Aqui já manifestei, caríssimos amigos, meu espanto ao ouvir diálogos travados ao citado meio de comunicação como se ele não fora em hipótese alguma necessário já que o volume sonoro empregado era suficiente para léguas de separação.

Em todo o caso, concordei com alguns historiadores que com muitíssima justiça chamavam a este reino “Terra dos Papagaios”...

domingo, 14 de janeiro de 2007

Fog


Lá ia eu, amicíssimos, esbravejar contra as grandes chaminés da ponta de Tubarão ao ver, da varanda do covil, a ilha coberta de névoa. Mas faltava algo. O desagradabilíssimo cheio de enxofre; aquela coisa acre que em tudo penetra, deixando um gosto metálico na boca e causando não ouso imaginar que tipo de desgraça nos cérebros dos recém-nascidos. Não estava lá.


Era um mero nevoeiro. Um fog; igualzinho aos lá de casa... Pensando bem, igualzinho não, já que lá perde-se o caminho como muitas vezes aconteceu comigo. Um mero acúmulo de umidade; uma nuvem no chão. Menos mal que esta noite não abriram os filtros ou estaríamos no pior dos mundos: o venenoso smog, que é a mistura da névoa com a maldita fumaça, como já ocorreu.


Deixarei para depois o esbravejar.

sábado, 13 de janeiro de 2007

Isolamento




Ilha é ilha, caríssimos amigos. Pedaço de terra cercado de água por todos os lados; às vezes até por cima. O insular é necessariamente um isolado que, por vezes, deseja se comunicar com o resto do universo, pelas estranhas razões que tiver.

Nós aqui vivemos em uma espécie de arquipélago onde várias ilhas foram incorporadas à maior, restando uns cacos para juntar sal e o lixo trazido pela maré. Um desses cacos é a ilha do Socó, fronteira à praia de Camburi, onde encalha há décadas meu galeão, ou o que sobrou dele.

O insular, contudo, é um viajante. Adora daqui sair para enfiar-se em lugares inacreditáveis em seu desconforto. Uma coisa impressionante. Então precisa de caminhos para fora assim como a formiga precisa da casa de humanos.

Ultimamente temos perdido bastante de nosso acesso ao resto do planeta já que as ferrovias são quase que só para carrear o minério que posteriormente será esfarelado e cuja poeira é tão nossa quanto a moqueca. As estradas são essa coisa terrível e perigosa, com mais crateras que motoristas habilidosos. Ultimamente caiu uma ponte importantíssima na província vizinha que alongou a viagem ao sul em horas.

Restam poucas opções: a caminhada nem sempre é salutar já que contamos com pouco apoio local em termos de pousadas e fontes de água potável. Além disso, incontáveis amigos do alheio, onde quer que se vá, tocaiam quem quer que seja para limpá-lo da última obturação. A via marítima tampouco é adequada ao viajante a menos que concorde em pagar uma pequena fortuna num imenso navio parque de diversões para ir à esquina e voltar. Resta o vôo.

Amicíssimos. Voar era dos grandes prazeres desta terra. Tomava-se um avião e em poucas horas chegava-se às grandes capitais provinciais. Era rápido, seguro e barato. Comia-se bem a bordo: éramos mimados. Hoje é uma pequena tortura já que os mandantes lá na corte acharam por bem desnecessário fazer isso e aquilo para que tudo funcionasse a contento. Praticamente deixaram morrer à míngua uma outrora poderosa, azul e querida empresa de aeronaves para colocar em seu lugar uma vermelha incompetente. Aquela que deixa cair e quebrar seus numerosos aeroplanos com notável regularidade. Após horas de atrasos somos tocados para bordo, ordenados em nossos apertados lugares e alimentados com migalhas de amendoim e algo que parece comida de viajante espacial. Depois disso, se tivermos sorte e nossos aviões efetivamente decolarem, já que às vezes ficam em estado de sauna em terra, por horas, perdem nossas malas. Além disso, apesar da corte haver prometido de pés juntos um novo e moderno aeródromo para a ilha em tempo recorde, suas obras arrastam-se a passo de cágado, acrescentando mais poeira ainda à nossa atmosfera, chegando até a envergonhar as empresas exportadoras de minério nesse quesito. O que lá está é um pequeno prédio ao qual se deve madrugar ou será forçado a aguardar pelo vôo escarrapachado ao chão, em meio a telas de tele-imagens e poluição sonora. Seria uma espécie de castigo por tentarmos roubar dos anjos a sua prerrogativa de voar? Ou então uma punição por querer escapar do labirinto ?

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Que a terra lhe seja leve, com o Penedo em cima.


Morreu o entrudo que todo ano exasperava a população insular. O burgomestre acabou de anunciar. Morreu tarde.

Desde sempre o carnaval foi festa popular, unindo ricos e pobres nas ruas e praças em animados grupos, sociedades, corsos e escolas. Algo extremamente democrático e agradável.

Tempos atrás, algum espírito de porco inventou de tomar conta da rua, cercando a área para quem pagasse um pedágio altíssimo. O que era popular tornou-se elitista. Além disso, na arrogância dos novos-ricos, despejavam volume ensurdecedor de algo que chamavam de música aos quatro cantos e os incomodados que se mudassem. Era orgia, aguardente, urina e psicotrópicos.

Pois acabou-se, caríssimos. Aos quintos dos infernos!

Bonança

Estariamos, queridos amigos, tecnicamente sob chuva. Faz um dia lindo.

Não entendo. Todo dia verifico o barômetro que, normalmente, funciona da seguinte maneira: quando cai o tempo piora, quando sobre, melhora. Aqui, claro, é ao contrário. Andou em 1015 milibares sob chuva diluviana. Agora está em 1008. Vamos ver se não me faz passar vergonha.

No tráfego de hoje, normalmente atarracado, reparei que os pequenos acidentes que anos atrás demandavam perícia, já estão sendo resolvidos localmente. Dez anos atrás, queridos amigos, qualquer lanterninha rachada e tinham que chamar a milícia para preencher papéis inúteis que geravam coisa alguma. A ilha civiliza-se.

O que não se civiliza em hipótese alguma é a profusão dessas enormes estruturas metálicas semoventes. Em princípio destinadas à área rural, interditam ruas e vagas com seu inútil tamanho em área urbana. Como já comentei, dificilmente verão campos, prados, bois, vacas, forragem (para o lanche de seus proprietários) e hortaliças. Algumas chegam a ter tapada sua caçamba para que ali se acumule água da chuva e crie mosquitos. O mais interessante é a maioria ser equipada com barulhentos e pegajosos motores diesel - que custam muito mais - para economizar-se combustível! Acreditem, meus herdeiros. O insular empata o valor de uma casa nessas coisas para economizar tostões!





Um espanto, caríssimos!

domingo, 7 de janeiro de 2007

Colegas náufragos

Coisa especial nesta ilha, meus herdeiros, é a quantidade de náufragos que cá arribam. Vêm dos quatro cantos e se deixam ficar. Conheço até dos antípodas, daquele lugar onde nevou em pleno verão, como já mencionei. Há os dos pampas ao sul do rio da Prata, com incurável sotaque; os de França, também com sotaque inalterável; os de terras bandeirantes, irriquietos; os fluminenses, saudosos. Muitos.


Um desses, inventou de acreditar no hipotético gosto de leitura local e manteve por muitos anos uma livraria, que congregava uma enorme quantidade de ociosos e uma muito reduzida de compradores. Lá pelas tantas, resolveu fechar as portas, confessando que se ganhara um centavo por minuto de papo e estaria milionário; já com os livros, não. Figuras absolutamente excêntricas lá iam diariamente beber de seu café e trocar idéias. De quando em vez, ia também filar-lhe o café e deixava-me ficar em canto discreto a observar as levas dos mais díspares personagens insulares. Ia do milionário ao mendigo; do velhíssimo à criança; do discreto ao escandaloso. Políticos marcavam encontros em seus desvios para conversar assuntos sigilosos. Outros marcavam encontros que ultrapassavam o social. Casamentos ali se fizeram e, desconfio, filhos dali se originaram.


E as noitadas de autógrafos, amigos? Iam às tantas, com todos bêbedos. Lá fora a chover canivetes - era quase uma constante. Aquilo enchia, transbordava para as calçadas e os aparelhos de refigeração de tudo faziam para dar conta da multidão, inutilmente. Por ali passaram poetas, escritores, músicos, acadêmicos, autoridades, artistas, personalidades. Pessoas do mundo todo e também das mais humildes vilas do interior. Não era necessário chamar guarda pessoal, como hoje é indispensável e jamais ocorreu transtorno ou furto.


Tentarei me lembrar de uma ou outra passagem interessante que juntarei à minha leva de lembranças. A primeira que me vem é a do Juiz de direito, extermamente discreto e tímido, que foi encurralado pela moça faladeira por mais de uma hora. Do outro lado do recinto, ouvia-se o despejar de sons que fatalmente estavam fuzilando o pobre homem, sem que nenhum socorro, de propósito, lhe fosse lançado. Desapareceu por uns tempos...


A ilha mudou muito.


sábado, 6 de janeiro de 2007

As indústrias













Meus queridos herdeiros. Existe uma coisa chamada de "Síndrome de Estocolmo" em que um infeliz seqüestrado, ou pior ainda, raptado - suas diferenças são bastante intensas - apaixona-se pelo algoz. Perdoa tudo a ele, arrasta-se a seus pés e após a libertação, tranca-se em um malão e manda-lhe a chave pelo correio.

Esta ilha sofre disso há décadas. Na realidade, ocorreu aqui uma simbiose. Veio para cá uma empresa, para fazer escoar mais rapidamente o minério de ferro mineiro (!) que tanto necessitavam os colonos da América do Norte em sua luta contra Cipango e Germânia. Como tal minério é sujo, sujou por onde passou, sobretudo esta pequena ilha. Mas, porém, contudo, era esforço de guerra, dava empregos, oferecia presentes, construía pontes e isso foi mais ou menos uma compensação. Assim, virou intocável, um amor!

Poucas décadas atrás resolveu a poderosa empresa dar um passo adiante e pôs-se - com a cumplicidade dos governos locais, ávidos por impostos - a montante do vento dominante, como já falei aqui semanas atrás, a desenvolver uma área industrial com porto, onde reduziria o ferro a bolinhas para embarcá-lo com maior facilidade. Existiam projetos sérios, queridos amigos, de tudo fazer mais afastado daqui: era mais barato, melhor e mais longe dos cidadãos, mas aí seus impostos não iriam cair nas mãos certas. vencendo a politicagem, chamaram-se amigos para a empreitada, sendo que muitos vieram dos países que se combateu, na guerra. Mais tarde, surgiu a enorme siderúrgica. Pois junto a isso tudo, mais poeira, fumaça e pestilências tomaram conta da cidade. Em Escócia ou França tal provocaria revoltas populares, mas como uma grande parte dos insulares unia-se às companhias pela Síndrome, todos se calavam, continuava a intocabilidade.

Do meu covil, amicíssimos, toda noite observo o cinismo deles, dos que lá estão a abrir filtros de fumaça e despejar na atmosfera nuvens de fazer inveja a qualquer imagem representando fábricas de 1920: quanto mais chaminés e mais fumaça, mais poderosa e rica era a empresa. Pois é. Igualzinho. O insular, no entanto, tosse e cala-se. Como se fôra um parente delituoso, que se esconde no armário...












Pouco a pouco, queridos herdeiros - já que a cada ano aumentam as unidades industriais poluidoras do lugar - suja-se mais a pobre ilha, os pulmões dos insulares e o fundo do mar - que agora, de tanto minério, é avermelhado - e continua-se a fazer de conta que na calada da noite ou em plena luz do dia nada acontece. Vez por outra, uma pequena esmola ao lugar que ferem e matam: uma pracinha, uma escola; migalhas perto do que ganham e do que causam. Meios há para diminuir isso, mas vêm a passo de cágado, enquanto os incrementos andam a passo de lebre.

Tristíssimo, amigos...

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Delícia

Como o planeta enlouqueceu, queridos leitores, desfrutamos neste instante de temperaturas amenas ao invés dos terrores habituais. Parece verão tórrido lá em casa, na Escócia.

Nessas ocasiões, o insular trata de proteger-se do 'friu' e encolhe-se todo. Uma atitude um pouco arriscada já que basta surgir o sol para voltarmos ao inferno, pois que inferno e verão são as duas estações locais, como todos sabem.

Passei a virada do ano em casa de amigos, a admirar o fiasco dos fogos de artifício na praia. Milhares acotovelavam-se de branco, para dar sorte. Isso não impediu que pelo menos quinze desses esperançosos cidadãos se ferissem até com certa gravidade no momento em que a pirotecnia resolveu criar vida própria. A multidão é bovina, caríssimos herdeiros. Há enorme dificuldade em agir fora do padrão. Pode ser que um ousado insular, que desejasse passar o réveillon de vermelho, seja linchado. A ordem é o branco, seja a pessoa atéia, católica, protestante, judia, muçulmana, animista, zoroastriana ou até candomblista, que ainda existem. Tal culto africano, caros amigos, outrora foi poderosíssimo neste reino. Bastava-lhe o ar livre e poucas oferendas para agradar aos seus deuses. No último dia do ano, a praia era sua e enchia-se de milhares de velas e presentes para os santos de sua predileção. Pois isso acabou. Num indeterminado momento os bispos das mais variadas igrejas protestantes repararam na fortuna que ganhariam se reunissem todas essas pessoas sob seus tetos e perto de suas sacolas de coleta de óbolos. Pois meteram-se a descarregar o que fosse dos ex-umbandistas e isso incluía - principalmente - o que estivesse em seus bolsos. Com isso compram jatos, erguem casa de campo em terras estrangeiras e gozam de luxo oriental, com as graças do Senhor Jesus Cristo e para Sua absoluta glória. Já os criadores de galinhas pretas e bodes perderam seu mercado cativo. Talvez devessem deixá-las às escadarias de mármore dos luxuosos templos desses piedosos milionários.

A coisa ficou tão feia, caríssimos, que não consegui imagem para "despacho" na internet. Só consegui encontar o que julgo ser a consequência de uma dessas sessões de descarrego, após arrancarem-lhe as roupas e abandonarem à sua sorte uma pobre infeliz, já que tinha os bolsos vazios.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Música


Pouco após saber-me em solo firme e estabelecer minha sobrevivência nesta ilha, caríssimos fui, como já disse, inteirar-me dos hábitos locais.


Algo que sempre me agradou neste reino é a música, sobretudo a autêntica música nacional que une esta vastíssima terra, do tamanho da Europa: o samba.


Cá chegando, ele imperava, correndo nas veias dos súditos desta boa terra. Pouco a pouco, porém, estranhos indivíduos puseram-se a escarafunchar empoeirados cantos da província em busca de algo que seria autenticamente "da terra". Isso sempre me causou espécie, já que nem sempre o que é local é melhor e nisso reside o comércio. Troca-se o que eu tenho de melhor pelo que o vizinho oferece de melhor dele. De repente ressuscitaram, sacudindo teias de aranha, um certo ritmo chamado de "Congo". Uma mera curiosidade folclórica que gozava de merecido esquecimento já que se esparrama num cantarolar dançado, em meia escala, sonolento e interminável. Espetáculo de uma só vez, para polidamente se considerar como "deveras interessante" e onde está meu chapéu, boa noite e até nunca mais. Durante anos a fio de tudo fizeram a fim de que as pessoas gostassem disso, mas como a imensa maioria dos insulares e provincianos não é apaixonada por folclore, os esforços redundaram inúteis. Era terrível: em qualquer manifestação cultural, era-se forçado a tolerar uma sessão de hora e meia dessa bocejante ladainha. Então, fugia-se das tais manifestações culturais. Vencidos os folcloristas, esgotadas as possibilidades locais com a volta do Congo aos museus e teimando-se em esquecer que o samba é algo tão natural e local quanto o feijão, deram por importar o que de pior havia em outros cantos do reino. Coisas de cruéis vendedores de música enlatada.


Talvez por serem artigos em promoção, iniciaram por algo de tal maneira inacreditável que inicialmente julguei estar diante de uma grande enxova. Pelo uísque escocês ! Pensei que fora brincadeira. Não era, eram duplas de infelizes goyanos, com baixíssimo conhecimento musical e trajes apertadíssimos, a confessar tormentos íntimos profundamente constrangedores e em vozes torturantes. Fomos inundados, prezadíssimos leitores, por hordas desses pobres indivíduos, festejadíssimos, em infinitas variantes, de tal maneira que, a folhas tantas, chegaram a induzir o aparecimento de curiosíssimos seres vestidos tal qual os vaqueiros das colônias inglesas do norte. Mostravam-se pelas ruas de roupas e chapéu de vaqueiro despertando olhares estupefatos dos demais transeuntes. Nessa ocasião, larguei da garrafa já que havia-me convencido de estar às raias do delirium-tremens, mas era real. Só faltavam as esporas e tal sem dúvida ocorria por elas possivelmente danificarem os tapetes de seus imensos, caríssimos e polidíssimos veículos de carga que nunca haviam visto campo. A ilha, queridíssimos, transformava-se em muro das lamentações com choros convulsos e passarela de cowboys capiríssimas e fajutos. Felizmente o insular, apesar de prezar muitíssimo uma novidade, também cansa-se dela e voltaram as esporas e os caubóis para os cafundós.


Foi importada então do norte a barulheira infernal de boçais dos quatro sexos a urrar vulgaridades a massas ululantes mesmerizadas pela agonia ensurdecedora dos acompanhamentos amplificados e pelo consumo de aguardente. Essa foi a pior de todas as fases já que, como o volume sonoro da tal, digamos, manifestação é de tal forma intenso que solaparia qualquer construção, tem ela que ocorrer ao ar livre, invadindo o repouso dos vivos e dos mortos. Fechavam ruas e cobravam ingresso dos endinheirados cidadãos que lá desejavam esborniar-se numa das mais escandalosas violações dos direitos individuais já vistas. Os ricaços ou perdulários que pagavam pequenas fortunas para acotovelar-se nos entrudos e urinar onde quer que fosse, julgavam-se no direito de posse da área e reagiam violentamente a qualquer tentativa dos habitantes em enxotá-los para os caixa-pregos. Esse terror durou anos a fio, enriquecendo muitos mas, como felizmente o insular cansa-se do que não é do sangue, extinguiu-se.


Volta-se agora ao samba, queridíssimos, para gáudio da cultura local. Nunca morreu, apenas aguardou pacientemente que seus filhos pródigos à casa paterna retornassem.


Alvíssaras! Alvíssaras!