terça-feira, 22 de julho de 2008

Cocô-Boys


A primeira vez que ouvi esse termo local, prezados leitores, pensei referir-se aos pouco higiênicos vendedores de água de côco da ilha. "Não, não", desesperou-se amigo insular. Então associei à deliciosa fruta asteca, que conheci outrora em minhas viagens pela América Central, o Tchocolatl, conhecido pelos bretões como cocoa. Impacientou-se mais ainda o amigo insular que, mudo por meu absent-mindedness apontou-me estranhíssimo veículo. Era algo que quase raspava o chão, de tão baixos estavam os eixos. Brilhava, por camadas e camadas de cera. Em sua traseira um curioso enfeite de metal cromado com uma bola idem. "Eles adoram um engate traseiro" confidenciou-me o amigo. Eles quem? Perguntei. "Ora, Crusoé", continuou o amigo, tipicamente omitindo parte de meu nome completo. "Os cocôs-boys". Foi então que percebi, saindo do tal veículo, que se havia imobilizado, dois rapazes em tudo idênticos. Estavam ocultos no seu interior pois até os seus vidros eram diferentes, negros, com um propósito que me escapava naquele momento. Pois os dois autóctones da mencionada seita, como já disse, eram idênticos. Óculos escuros que não geravam um pingo de simpatia por quem quer que os visse, vestimentas idênticas (uma camiseta negra com uma espécie de águia estampada) e meio musculosos, mas não eram músculos de trabalho. Olhei espantado para o amigo e indaguei, largando do espanto e ingressando na curiosidade, se os tais não seriam pouco afeitos à companhia feminina, já que pareciam um casal e apreciavam manter-se ocultos dentro do tal veículo. Meu amigo respondeu com um olhar que dizia tudo. Imeditamente veio-me à mente algo que soía acontecer a bordo de galeões em longas jornadas. Atos esses imediatamente corrigidos, após sova, com passeios dos envolvidos sobre a prancha!
Fiquei, pois, a contemplar o insólito casal, a nutrir-se de algo desagradavel e furiosamente gorduroso em estabelecimento de pasto vizinho. Lá pelas tantas, retornaram ao veículo. Um deles, fez uso de uma mágica: apertou ostensivamente algo em sua mão e sua estrutura semovente respondeu com pios! Parecia haver destravado as portas, que estavam fechadíssimas malgrado haverem deixado seu transporte à vista d'olhos.
Ingressaram naquela carruagem e desapareceram da vista dos demais mortais, graças aos tais vidros escuros. Pouco após, caríssimos amigos, deu-se o inesperado: vindo das profundezas do inferno o som de terremotos, de continentes rasgando-se, uma cacofonia inacreditável. Joguei-me ao chão, rezando pela proteção de meu São Jorge. O tal carro tremia todo. Ia explodir!
Fui acordado de meu pavor pelo amigo, bastante divertido com meu espanto e medo:
"É o som deles", explicou.
"Som, como?" Horrorizei-me? Então o amigo explicou que esse tipo de gente tão logo oculta-se no interior de seus automóveis, põe-se a demarcar território emitindo barulhos infernais em volume inacreditável. Não acreditei. Para mim era para procederem àqueles tais atos nefandos em total ausência de testemunhas.
Ligaram seu motor, aquilo sacudiu-se. Acenderam uma potente luz azul. "Custa uma fortuna", informou-me o diligente amigo. Mais desconcertado ainda indaguei se esse tipo de rapazes viaja muito em estradas perigosas, desertas e escuras, necessitando então de poderosa iluminação. "Imagine", disse me ele "não saem daqui, isso é para mostrar-se aos outros". Se não têm, não valem nada. E está sempre no alto.
Pouco após, aquele insólito veículo pôs-se a andar, com visível relutância, e imiscuiu-se pelo trânsito local, em baixa velocidade, atrapalhando a todos. O tal "som", contudo, fazia-se ouvir e a tudo tremer, por um bom tempo. Finalmente, despediu-se o amigo e, como sempre fiquei eu a contemplar o mar, cofiar a barba e mergulhar em meus pensamentos.
....
Já ia alto a lua, horas após meu amigo ter-se recolhido ao seu castelo, que emergi de mais uma de minhas profundas meditações. Nesse ínterim, não pude deixar de observar outros automóveis em tudo idênticos, ruidosíssimos, carregando com outros desses estranhos casais que fazem a meta de sua existência exibir-se a casais semelhantes, a iluminar de azul intensíssimo quem ousasse meter-se à sua frente. Espanto, espanto, espanto. Isso em terra de mulheres belíssimas que vagam em bandos. Talvez seja essa a razão de algumas estarem juntas demais - que Deus me perdoe.

Estranhíssima ilha!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Volta?

Pois garrafas e garrafas foram deitadas à maré baixa, caros amigos imaginários. Saqueei todas as tribos das redondezas à cata dos invólucros impermeáveis para meus maus escritos. Poucas respostas obtive, mas pelo menos uma incentivando-me a coalhar os sete mares em continuidade com os envelopes flutuantes.
Volto, então. Volto a observar o que se passa neste quinhão de terra incomum em que não se lavra mais o bom milho e, ao invés da saúde, opta-se pela fumaça negra das estruturas semoventes dieseis que jamais viram uma roça sob suas rodas de borracha.
Mês passado viajei à antiga côrte que, apesar dos tempos difíceis, mantém-se majestosa. Burgo muito mais rico e poderoso que este entretanto não apresenta a mesma concentração dos brutais semi-caminhões que ora entulham nossas vias carroçáveis somente em tempo seco.
Impera aqui a ilusão do roceiro ausente. Em um determinado momento, todos assumiram a condição de roceiros tristemente exilados em urbes. Tão logo e não interessando que sacrifícios possam ser feitos, metem-se nesses absurdos; ouvindo música rural de insondável má qualidade e eventualmente ostentando chapéus de nossos vizinhos anglos milhares de milhas ao norte. Pouquíssimos saberão a diferença entre ovo de pato e ovo de galinha e saem por aí, protegidos pelas películas negras que os ocultam dos olhares de censura dos cidadãos de bem com o beneplácito das autoridades que permitem que um recém-licenciado possa conduzir um verdadeiro tanque de guerra de várias toneladas.
Por via das dúvidas e estando o tempo meio frio, encolho-me no meu ninho do décimo andar, apavorado de medo...

domingo, 2 de março de 2008

Tempo

Num átimo foi-se um ano da última gravação em garrafa do diário do náufrago. Pudera, meus caros! A ilha foi invadida por uma horda de escravos a escavoucá-la em todo e qualquer sítio. Seria ouro? Tesouros? Não os meus pois aqui nada enterrei, e nem teria nada a enterrar. Ficam autóctones e visitantes prisioneiros em sua ilha e peplexidade.