sexta-feira, 16 de abril de 2010

Meu pobre mestre


Todo dia olho para ele: solitário, em sua imensidão estática.

Foi meu primeiro ponto de referência nesta terra, logo após voltar a mim, exausto de minhas braçadas no mar revolto rumo à salvação nas dolorosamente grossas areias desta ilha. Vi-o na distância azul, assim que consegui por-me de pé. Inicialmente confundi sua solitária imponência com um vulcão e preocupei-me com possíveis erupções - como as que testemunhei nas Caraíbas ou nas ilhas batavas do sudeste asiático- mas logo percebi ser inofensivo e tímido monólito.

Para onde fosse, em minhas primeiras explorações, procurava-o e sua majestosa presença sempre me guiou. Protetor de seus vizinhos bastava o Mestre colocar um chapéu de nuvens que incontinenti os insulares armavam-se de guarda-chuvas, galochas ou até botes (para os moradores do condado de Bento Ferreira). Era nosso amigo.

O tempo passou e foi particularmente cruel para com o velho e abnegado referencial insular. Perdeu sua precisão, vencido pelo intenso povoamento da ilha, que com suas novas torres modificou seus outrora puros ares e virou os ventos. Confuso, passou a lançar falsos alarmes, deixou de ser confiável e teve que aposentar-se que, como sabemos, é algo terrível neste Reino.

Uma pena.

Pobre morro do Mestre Álvaro em cujo chapéu confiava-se cegamente. Hoje esse adorno não passa disso ...

Jaz o morro, lá nos confins de nossa vista, ainda magnífico na sua obsolescência meteorológica, aguardando que os novos ventos, que lhe furtaram o ofício, desgastem-no além das memórias futuras.



Imortalizado pelo mestre Raphael San.

Terei eu voltado?


Talvez tenha eu despertado de minha modorra, meus herdeiros. Ontem convocado por velho amigo, fui-me à universidade local para falar de livros a jovens, menos jovens e, sobretudo, aedes-aegypti.
Senti-me saindo do olvido em que náufragos se metem, particularmente os que cruzaram a cordilheira dos cinquenta anos e estão a descer pelo outro lado. Essa descida é sempre rápida.
A gentil audiência constituiu-se em símbolo dos antigos amigos a quem revendia meus livros, mil anos atrás.
Faltou, contudo, sublinhar aquela mágica do texto que não me canso de repetir: intemporal, internacional e poliglota. O autor, tenha ele escrito na língua que for, na época que foi ou onde quer que tenha sido sempre encontra uma maneira de confidenciar ao seu leitor, naquele mergulho que mil garrafas do melhor rum do Caribe são incapazes de provocar...


Tempus fugit


Passam-se os anos, caríssimos e velas amigas não vejo ao horizonte. Abandonado estou e abandonado ficarei nesta estranha ilha a que já chamo de lar.
É claro que sempre entranharei o clima, suas duas e únicas estações que mencionei anteriormente - ao invés das quatro bem marcadas de minhas ilhas britânicas - verão e inferno.
Grande foi o sofrimento deste pobre saxão no último inferno. Não havia tréguas nem refúgios. Os artificiais que consistem em engenhoso resfriamento de ar é cobrado em bolsas de ouro todo mês pelo responsável por sua energia. Não há como florescer neste canto algo além do lazer, da sombra e da água de côco.
Pois que o seja, ora bolas, e que fiquem armadas as redes, localizadas as boas sombras e esquecidos os aborrecimentos.