segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Voltei


Voltei do nada, meus herdeiros. Raramente ausento-me de meu precioso covil onde as paredes são forradas de livros, há ice-box bem abastecido e diversas geringonças de lazer e conforto. Voltei foi de minha macunaímica preguiça em consignar minhas memórias nestas abstrações cibernéticas.


Pois foi hoje, ao novamente sorver da rubiácea eficientemente efervescida pela simpática insular em galeria comercial da ilha que encontrei meu velho amigo professor de literatura. Na realidade deu-se o inverso já que foi este náufrago o encontrado tão absorto estava em suas leituras. Saudou-me e imediatamente lamentou sua contraditória fortuna já que sua filha fora admitida em universidade, porém em província vizinha. E rompe-se-lhe o cordão umbilical a duras penas e dores atrozes. Quanto à moça, estará decerto animada em ver-se longe dos pais e poder pintar o sete, já que trata-se de curso de belas-artes.


Foi-se o amigo, antecipadamente suado, às aulas, que voltaram hoje e ficou este náufrago a considerar por longo tempo a relatividade dessas belas artes. Em Europa, na modernidade dos anos 1600, artistas havia a rodo e empenhavam-se meses a fio em reproduzir fielmente - mesmo que essa ou aquela imperfeição corrigissem - figuras de fidalgos e fidalgas que, em troco, pagavam-lhe, com atraso, moedas. Já neste reino, numa estranhíssima província mais ao sul, testemunhei numa grande mostra de arte uma sala repleta de calçados velhos e outros nem tanto, mas que fariam a alegria de numerosos mendigos. Teriam sido os excedentes daquela senhora dos antípodas, Imelda Marcos? Em meio à desodem de couro, piscava misteriosamente uma luz. Aquilo era rodeado por dezenas de seres insólitos a tentar adivinhar-lhe a arte. Pois este náufrago desistiu incontinenti e pôs-se ao fresco a acenar para cocheiro que a trote ligeiro o largasse em taberna de bom preço, bom pasto e boa bebida a fim de refletir sobre os mistérios da mente humana e se a arte moderna seria conto-do-vigário, pilhéria ou rematada loucura.
Naturalmente que a volta ao covil foi antecipada.


Um comentário:

Cinéfilo disse...

Meu amigo naufragado, após seu post resmungão em meu humilde blog, vim dar as caras por aqui.
Satisfeito iuei ao encontrar bom estilo e finíssima ironia.
Coisa de quem não é candidato a intelectual.
O estilo é bom.

Senti-me biografado neste encontro regado a rubiácea.

Abraço