sábado, 6 de janeiro de 2007

As indústrias













Meus queridos herdeiros. Existe uma coisa chamada de "Síndrome de Estocolmo" em que um infeliz seqüestrado, ou pior ainda, raptado - suas diferenças são bastante intensas - apaixona-se pelo algoz. Perdoa tudo a ele, arrasta-se a seus pés e após a libertação, tranca-se em um malão e manda-lhe a chave pelo correio.

Esta ilha sofre disso há décadas. Na realidade, ocorreu aqui uma simbiose. Veio para cá uma empresa, para fazer escoar mais rapidamente o minério de ferro mineiro (!) que tanto necessitavam os colonos da América do Norte em sua luta contra Cipango e Germânia. Como tal minério é sujo, sujou por onde passou, sobretudo esta pequena ilha. Mas, porém, contudo, era esforço de guerra, dava empregos, oferecia presentes, construía pontes e isso foi mais ou menos uma compensação. Assim, virou intocável, um amor!

Poucas décadas atrás resolveu a poderosa empresa dar um passo adiante e pôs-se - com a cumplicidade dos governos locais, ávidos por impostos - a montante do vento dominante, como já falei aqui semanas atrás, a desenvolver uma área industrial com porto, onde reduziria o ferro a bolinhas para embarcá-lo com maior facilidade. Existiam projetos sérios, queridos amigos, de tudo fazer mais afastado daqui: era mais barato, melhor e mais longe dos cidadãos, mas aí seus impostos não iriam cair nas mãos certas. vencendo a politicagem, chamaram-se amigos para a empreitada, sendo que muitos vieram dos países que se combateu, na guerra. Mais tarde, surgiu a enorme siderúrgica. Pois junto a isso tudo, mais poeira, fumaça e pestilências tomaram conta da cidade. Em Escócia ou França tal provocaria revoltas populares, mas como uma grande parte dos insulares unia-se às companhias pela Síndrome, todos se calavam, continuava a intocabilidade.

Do meu covil, amicíssimos, toda noite observo o cinismo deles, dos que lá estão a abrir filtros de fumaça e despejar na atmosfera nuvens de fazer inveja a qualquer imagem representando fábricas de 1920: quanto mais chaminés e mais fumaça, mais poderosa e rica era a empresa. Pois é. Igualzinho. O insular, no entanto, tosse e cala-se. Como se fôra um parente delituoso, que se esconde no armário...












Pouco a pouco, queridos herdeiros - já que a cada ano aumentam as unidades industriais poluidoras do lugar - suja-se mais a pobre ilha, os pulmões dos insulares e o fundo do mar - que agora, de tanto minério, é avermelhado - e continua-se a fazer de conta que na calada da noite ou em plena luz do dia nada acontece. Vez por outra, uma pequena esmola ao lugar que ferem e matam: uma pracinha, uma escola; migalhas perto do que ganham e do que causam. Meios há para diminuir isso, mas vêm a passo de cágado, enquanto os incrementos andam a passo de lebre.

Tristíssimo, amigos...

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