quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Pequeno dicionário do lusitano insular


Uma das aflições, ou diria eu, gasturas de aqui passar a viver foi, queridos leitores, habituar-me às expressões locais. Uma ou outra foi de fácil assimilação mas fiquei flabbergasted (sinto utilizar-me de expressão bretã intraduzível, mas cuja aparência reflete o sentido) no momento em que o encarregado de uma pequena obra pediu-me para arranjar "lajotas". Como o piso não era de lajotas, fiquei sem saber do quê se tratava, até que descobri serem elas os tijolos vazados!


Para ajudar aos forasteiros, tratei de juntar algumas expressões tipicamente insulares e conto com a ajuda de todos para acrescentar as inúmeras omissões quando me forem enviadas:

Taruíra - Lagartixa
Vasilha - Louça (lavar as vasilhas)
Litro - Garrafa
Pó - Café
Trigo - Farinha de trigo
Pocar - Estourar
Ei - Oi
Iá - Ora vejam só
Lajota - Tijolo
Ponga (em desuso) - Carona
Sombrinha - Guarda-chuva
Mixirica - Tangerina
Gastura - Aflição
Bucha - Esponja
Janta - Jantar
Bandejola - Tabuleiro
Sacola - Algo cuja tradução é sutil. Pode ser uma sacola de supermercado, mas um saquinho de batatas fritas também é "sacola" !
Pif-paf - Brigadeiro (de chocolate)
Gravura - Qualquer imagem, pode ser impressa ou gravada. Até pôster.
Secretária - Empregada doméstrica
Você não quer me levar no cinema não? - Apesar dos dois nãos significa: Me leva ao cinema?

Mais d'antanho




O exdrúxulo título, apesar de sugerir prato italiano, procede. São pequenos detalhes que marcaram este náufrago em suas primeiras expedições exploratórias.
Tanto em Escócia quanto em França ou outros lugares, existe a instituição do endereço: vias recebem nomes ou números e as casas ou prédios são numeradas com ordem pré-estabelecida. Em minhas andanças creio que só vi sistema diferente em Cipango, na cidade de Tóquio, cujo misterioso endereçamento deve ter sido criado para evitar espionagens, tão misteriosos são esses orientais. Outro lugar foi na Venezuela, estranhíssimo lugar, governado por um sargento de exército ou algo semelhante. Lá não existem os números dos imóveis: simplesmente pontos de referência - edifício tal, entre rua tal e avenida tal.
Pois nesta ilha, queridíssimos herdeiros, vinte e tantos anos atrás, a situação era mais misteriosa que Tóquio. Para início de conversa, parecia não serem as vias batizadas. E se o foram, eram referidas pelo nome antigo. Como se não fora suficiente, inexistiam as placas indicando-as ou, solução velhaca, eram afixadas no meio dos quarteirões, economizando-se metade delas, já que seria desnecessário colocá-las em cada esquina ! É possível que ainda existam algumas, sobreviventes à fúria derrubadoura da Praia do Canto. Muito bem. Não se sabendo das vias e avenidas, recorria-se a pontos de referência, mesmo que desaparecidos: rua da Seidel, rua da Bambina, praça do Santa Martha. Coisa para profundos conhecedores da história local. Não satisfeitos, os números das casas, em existindo, eram fruto de sorteio em chapéu, aleatoriamente atribuídos.
Outra indicação de absoluta tranquilidade para o nativo era o nome do edifício e muito se espantava se o forasteiro desconhecesse prédios tão célebres quanto o edifício Jusmar ou o Paulo Ví.
Ultimamente apareceram placas com o nome das ruas em alguns lugares e os números estão um pouco mais visíveis, mas perdura o curiosíssimo costume de solicitar-se um ponto de referência.
Soube de zangados comerciantes face a tal exigência, após informar correta e exaustivamente seu endereço e até seu posicionamento em latitude e longitude, darem como ponto de referência a própria loja, para deleite e alívio do interlocutor.

Pois é, caríssimos. Pior do que isso é um viajante no lugar chamado de Jardim da Penha. Sei de alguns perdidos por lá há anos...