sábado, 13 de janeiro de 2007

Isolamento




Ilha é ilha, caríssimos amigos. Pedaço de terra cercado de água por todos os lados; às vezes até por cima. O insular é necessariamente um isolado que, por vezes, deseja se comunicar com o resto do universo, pelas estranhas razões que tiver.

Nós aqui vivemos em uma espécie de arquipélago onde várias ilhas foram incorporadas à maior, restando uns cacos para juntar sal e o lixo trazido pela maré. Um desses cacos é a ilha do Socó, fronteira à praia de Camburi, onde encalha há décadas meu galeão, ou o que sobrou dele.

O insular, contudo, é um viajante. Adora daqui sair para enfiar-se em lugares inacreditáveis em seu desconforto. Uma coisa impressionante. Então precisa de caminhos para fora assim como a formiga precisa da casa de humanos.

Ultimamente temos perdido bastante de nosso acesso ao resto do planeta já que as ferrovias são quase que só para carrear o minério que posteriormente será esfarelado e cuja poeira é tão nossa quanto a moqueca. As estradas são essa coisa terrível e perigosa, com mais crateras que motoristas habilidosos. Ultimamente caiu uma ponte importantíssima na província vizinha que alongou a viagem ao sul em horas.

Restam poucas opções: a caminhada nem sempre é salutar já que contamos com pouco apoio local em termos de pousadas e fontes de água potável. Além disso, incontáveis amigos do alheio, onde quer que se vá, tocaiam quem quer que seja para limpá-lo da última obturação. A via marítima tampouco é adequada ao viajante a menos que concorde em pagar uma pequena fortuna num imenso navio parque de diversões para ir à esquina e voltar. Resta o vôo.

Amicíssimos. Voar era dos grandes prazeres desta terra. Tomava-se um avião e em poucas horas chegava-se às grandes capitais provinciais. Era rápido, seguro e barato. Comia-se bem a bordo: éramos mimados. Hoje é uma pequena tortura já que os mandantes lá na corte acharam por bem desnecessário fazer isso e aquilo para que tudo funcionasse a contento. Praticamente deixaram morrer à míngua uma outrora poderosa, azul e querida empresa de aeronaves para colocar em seu lugar uma vermelha incompetente. Aquela que deixa cair e quebrar seus numerosos aeroplanos com notável regularidade. Após horas de atrasos somos tocados para bordo, ordenados em nossos apertados lugares e alimentados com migalhas de amendoim e algo que parece comida de viajante espacial. Depois disso, se tivermos sorte e nossos aviões efetivamente decolarem, já que às vezes ficam em estado de sauna em terra, por horas, perdem nossas malas. Além disso, apesar da corte haver prometido de pés juntos um novo e moderno aeródromo para a ilha em tempo recorde, suas obras arrastam-se a passo de cágado, acrescentando mais poeira ainda à nossa atmosfera, chegando até a envergonhar as empresas exportadoras de minério nesse quesito. O que lá está é um pequeno prédio ao qual se deve madrugar ou será forçado a aguardar pelo vôo escarrapachado ao chão, em meio a telas de tele-imagens e poluição sonora. Seria uma espécie de castigo por tentarmos roubar dos anjos a sua prerrogativa de voar? Ou então uma punição por querer escapar do labirinto ?

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