quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Vestimentas


Ao cá arribar, salvei o que pude do galeão, encalhado lá na ilha do Socó. Consegui ferramentas, móveis, instrumentos, livros e até roupas, que lavei e arrumei em meu covil.


Pois, herdeiros meus, um belo dia fui convidado a pequeno convescote em casa de insulares. Vesti-me à vontade, como é do hábito da terra, aluguei um fiacre e cheguei pontualmente ao lugar de meus anfitriões. Escusado dizer que fui o primeiro, sendo que a dama ainda estava ao chuveiro e o cavalheiro recém adentrava a residência sobraçando cervejas e quitutes. Ajudei no que pude - que não foi no banho da dama, infelizmente - e refestelei-me à espera dos demais convidados.


Leitores queridos; lá pelas tantas começaram a chegar os casais e as damas sós. Eles vestidos mais ou menos como eu. Já elas, estavam prontíssimas para a ópera ou a recepção a algum arquiduque ou embaixador: sedas, brilhantes e complicadíssimos penteados. Foi por um triz que não escapei para meu covil a fim de resgatar o uniforme de gala do capitão e só não o fiz por reparar que os cavalheiros não participavam daquele desfile particular.


Pouco a pouco comecei a reparar no apuro que as damas locais dedicam às suas vestimentas. Algo assombroso pois que para ir a uma simples padaria estariam prontas para uma boda real.


Já os cavalheiros, com o passar dos anos, deram para levar ao estado de arte o seu despojar. Deambulam por aqui e ali com simples bermudões, camisetas sem mangas, sandálias de plástico e umas bolsas ao cinto. Seu estado de satisfação extrema ocorre ao debruçarem-se, despenteados e macambúzios, empurrando carrinhos de compras das grandes mercearias.


Existem, no entanto, infelizes insulares que andam trajados de terno e paletó, geralmente negro, o que os faz transpirar abundantemente. São figuras exóticas que podem ser vistas freqüentando misteriosíssimos templos aparentemente dedicados à construção civil (pois instrumentos de pedreiro decoram sua entrada) ou passando horas à porta de casas de pasto barulhentas e noturnas, ou ainda no imenso palácio pintado de rosa e azul onde empenham-se em derreter os dobrões do Tesouro Estadual.


Eu continuo no meu meio-termo, temeroso do que possa acontecer a quem quer que fuja desses uniformes, que parecem ser mandatórios.

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