domingo, 17 de dezembro de 2006

As pontes


Como toda ilha moderna e industriosa, esta aqui necessita de comunicação física eficiente e segura com o continente. Os generosos céus a situaram a distância reduzida da grande massa de terra e após séculos de catraias e canoas, ergueram-se pontes.


Curiosamente o insular só considera como pontes as do lado sul. Assim a primeira ponte lançada sobre a baía - apelidada de "Cinco Pontes", apesar de ostentar nome oficial pouco falado: "Florentino Avidos", segundo os locais, ou Ávidos, como grafam os mapas impressos em terras bandeirantes - e considerada como a primeira de todas, havia sido precedida em alguns anos por outra ponte, do lado norte a qual, então, nomearemos de ponte zero. Hoje é de concreto, mas continua a ser chamada por alguns de "Ponte de Tábuas", já que antigamente era de madeira. Coisas daqui.
Mais tarde, construíram a Segunda Ponte, que não o era, mas cujo apelido originou a fuzarca que tento descrever, já que antes disso e também do lado norte já havia sido erguida outra, além da Zero. (Esta anônima e modesta ponte será, em nossos cálculos, a ponte Um e Meio.) Pode existir um hipotético nome oficial, mas como é próprio Real está abandonada e imunda e ninguém se lembra dela, a não ser para acidentar-se de quando em vez.
Finalmente projetou-se a Terceira Ponte (a qual, parece, também tem um nome qualquer, devidamente ignorado) que, como todo empreendimento do Reino, foi projetada no lugar mais largo da baía, e em curva, a fim de que proprocionasse o máximo de empregos e lucros à realeza. Natural, sintomática e simultaneamente à construção, sumiram, como que por encanto, os dobrões de ouro que a pagariam e assim imobilizou-se e arrastou-se a obra por anos a fio. Quando finalmente ficou pronta, após novas remessas de moedas, constatou-se que uma das maiores pontes do Reino havia sido deixada à própria sorte sobre águas Reais pois ao baixar às terras muncicipais e estaduais do continente não se ligava diretamente a nenhuma avenida ou estrada importante, fazendo com que tanto insulares quanto continentais acudissem a ela por vias transversas, cheias de curvas e meandros. Provavelmente implicâncias da Corte com os poderes locais. Hoje está arrendada a alguns amigos do Rei.
Entrementes, a tal ponte Um e Meio ganhava irmã gêmea e independente, mas que também não recebeu numeração sabendo-se, por fonte segura, que cada uma delas presta homenagem a ilustres desconhecidos. Um na ida e outro na volta. Uma delas, rigorosamente podre, quase caiu no ano passado. Talvez suas vencidíssimas obras de conservação tenham esbarrado na burocracia do Patrimônio Histórico


Mais tarde, foi feita mais uma ponte, também do lado norte, que não recebeu o apelido de Quarta Ponte (ou seria Terceira Ponte e Meio? Ou Ponte Terceira e Mais Metade?). Como é lamentável a perda de certas tradições aqui pois nem apelido a pobre ponte ganhou! Talvez a população já tivesse perdido as contas e resolvido, por dúvida insuperável, não dar curso à numeração ou, realmente, acreditasse que continente era do lado sul, já que para o lado norte a distância é tão ridícula que a ilha não parece ser ilha. Neste caso e de maneira surpreendente, já que a população insular, pouco afeita a homenagear estrangeiros e célebre por desconhecer qualquer nome de rua, chama-a pelo seu nome correto, atribuído a um não-autóctone !


Em resumo, existem sete pontes ligando a ilha ao continente: uma é conhecida como "Cinco Pontes" - apesar de ser uma só; outra é a "Segunda Ponte", apesar de ser a terceira; outra ainda é "Terceira Ponte", apesar de ser a quarta ou quinta; mais uma é chamada de "Ponte de Tábuas", apesar de ser em concreto (mas devo confessar que outros a chamam de "Ponte da Passagem"); por fim, duas receberam apelidos genéricos ("Ponte de Camburi"), as tais que têm nomes diferentes para cada mão de direção: um notável feito de bajulação oficial. A única que todos conhecem pelo nome correto é aquela que imortaliza certa figura do meio automobilístico, que provavelmente nunca cá botou seus pés ou rodas.
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Isso sem falar da "Ponte Seca", mas creio existirem limites para a credibilidade de meus herdeiros.
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Como muito bem o observou, de certa feita, uma brilhante insular: "Esta ilha é uma delícia"!


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