terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Arranha-céus


Foi-se o tempo, caríssimos leitores, em que gozava-se da generosa brisa desta ilha. Era uma delícia absoluta, pelo menos para mim. Quanto aos nativos, talvez sejam eles de origem gaulesa pois parecem ter horror aos courants d'air - correntes de ar. Ora, jamais soube de vento ser maléfico pois se tal o fora e não se navegaria. Estranhos e enclausurados gauleses. Mas voltemos aos insulares e seus hábitos esquisitos. Estão a paliçar o entorno da ilha, caríssimos! Erguem contrafortes, torres e ameias contra inimigo inexistente a não ser o vento ora nordeste ora sul. São arranha céus terríveis e ameaçadores que acabam com a circulação de ar no povoamento. Só posso imaginar que o inimigo em questão seja o pó de minério contido no vento que as usinas de Ponta de Tubarão generosa e abundamente distribuem por via aérea aos autócnones. São toneladas e mais toneladas numa rara demonstração de ininterrupto desprendimento. No entanto, são os da vanguarda contra o vento dominante que recebem o maior quinhão desse precioso pó negro. Conhecidos habitando a jusante do vento nordeste mostraram-me pás do minério colhidas em suas varandas em uma só manhã. Isso é profundamente injusto e acho que cabe reclamação às boníssimas usinas a fim de que providenciem uma distribuição mais eficiente de seu ferro em pó para aqueles que foram prejudicados.


Muito aflita confessava velha amiga ao sentir-se cada vez mais cercada em seu refúgio outrora dotado de infinita vista e infinitos ares e insolação em perder dia após dia seu parco acesso ao ar e à beleza do lugar. Seu calvário se dá às pancadas das citadas paliçadas preliminares a serem cravadas ao chão, o que a priva de recolhimento e tranquilidade. Sei de determinado canto, imaginem vocês, caros leitores, bem ali perto de onde lamenta seu pobre destino essa queridíssima amiga, onde belas residências poucos anos atrás encarapitavam-se gloriosa e orgulhosamente em morro à beira-mar. Pois não é que solertes burgomestres aterraram o mar e trataram autorizar o cercamento do pobre morro por essas muralhas de tijolos? Quase todos tiveram de levantar acampamento e os que teimosamente permaneceram sofrem a claustrofobia dos injustiçados.


Estranho lugar, onde célebre construtora orgulhosamente ostenta nome e retrato de grande erro de engenharia italiano - a Torre de Pisa!


Nenhum comentário: